sábado, 28 de janeiro de 2012

UM ESTUDO SOBRE A MEMÓRIA

Parte 1

Se há uma coisa em que todos estamos de acordo é que, sem memória, não existe o “eu”.
Atualmente defende-se que a memória está na base de todos os processos cognitivos. Não há cognição sem memória, pelo que a memória é a própria cognição.
Tomemos como exemplo o nosso conhecido Alberto Caeiro, o poeta da Natureza e das emoções. Caeiro desejava a anulação do pensamento para que pudesse sentir apenas. Afirmava que os sentidos lhe transmitiam toda a verdade e, por isso, era feliz. Então, se a cognição é a memória, e se a memória é o “eu”, basicamente, o que Caeiro desejava era a anulação do “eu”? Vejamos o seguinte excerto do poema II d’O Guardador de Rebanhos:

«E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo… » (Alberto Caeiro)

Ora, Caeiro tem consciência de que, ao anular o pensamento, anulou a memória e, por isso, tudo aquilo que vê é totalmente novo, tal como uma criança acabada de nascer que abre os olhos e contempla, pela primeira vez, o mundo à sua volta – sofre do “pasmo essencial”. Mas até que ponto é que Caeiro sabe que, ao anular a memória (se tal fosse possível), se anulou a si próprio? A obliteração de experiências, prazeres, gostos, pessoas, capacidades, sentimentos, objetos, lugares, etc., decreta a extinção do sujeito.
Analisemos, também, o seguinte excerto do poema X d’O Guardador de Rebanhos:

«Olá, guardador de rebanhos,
Aí à beira da estrada,
Que te diz o vento que passa?”
(…)
“Muita coisa mais do que isso,
Fala-me de muitas outras coisas.
De memórias e de saudades
E de coisas que nunca foram”

“Nunca ouviste passar o vento
O vento só fala do vento.
O que lhe ouviste foi mentira,
E a mentira está em ti.» (Alberto Caeiro)

A memória pode levar-nos a uma série de recordações, utilizando como “atiçador” uma imagem, um som, um odor, e até o próprio vento pode despertar, em nós, lembranças, ainda que seja só vento e não passe disso, tal como aconteceu ao sujeito poético da segunda estrofe. Contudo, para o seu interlocutor (terceira estrofe), é impossível que tal tenha acontecido, uma vez que o vento é apenas vento e tudo aquilo que este, eventualmente, lhe “disse”, encara-o como uma mentira que existe apenas no sujeito poético. Não terá razão? O vento não é igual para todos nós. Assim, a forma como o percecionamos depende, unicamente, da memória de cada um, e, portanto, para uns é uma brisa suave, para alguns é devastador, para outros é cortante e gelado. Cada um tem a sua verdade, ou melhor, a sua “mentira”.  
Neste sentido, quando o poeta diz “Sou fácil de definir”, muito provavelmente, Caeiro não pensou que o seria de facto, uma vez que aquilo que ele é são, muito simplesmente, as suas memórias.

Parte 2

Algo de particularmente interessante na complexidade da nossa memória é o “déjà vu”, traduzido à letra, “já visto”. Mas o que é o “déjà vu”? Segundo o famoso sketch, com o mesmo nome, do famoso grupo humorístico britânico Monty Python, é “aquela sensação estranha, que às vezes temos, de que já vivemos algo antes. De que o que está a acontecer agora já aconteceu hoje”. Ou seja, a sensação de uma breve memória esquecida.
Segundo investigadores, o “déjà vu” acontece segundo uma teoria chamada “alucinação de familiaridade”, em que as pessoas têm falsas perceções sem estímulos externos. Este fenómeno está relacionado com o processo de recuperação da memória e tem a ver com a perda desta, nomeadamente a perda de uma memória imediata (memória a curto prazo) que se teve.
Trata-se de cada lembrança comprimida que empurramos para o nosso subconsciente, e quando algo nos relembra, diretamente, dessa memória, há muito esquecida, ocorre, por um breve instante, o “déjà vu”.
Acreditem ou não, enquanto pesquisava sobre este curioso fenómeno e apontava algumas notas, fruí, por momentos, um “déjà vu”!
E, assim, está descodificada mais uma manha do nosso cérebro, que leva algumas pessoas a atribuírem a responsabilidade do facto de que, por vezes, nos parecem familiares indivíduos, lugares, acontecimentos ou ações, a eventos de encarnações e vidas passadas.

                                                                   Mara Sousa, n.º 12, 12.º C

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